quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Oficina de Excelência da CPT Dramaturgia da Performance ministrada por João das Neves

Performance calorosa de João das Neves

O Encontro

Mestre. Essa palavra traz com clareza a conduta desse artista dentro da sala de trabalho. Precisão e delicadeza ao lidar com o corpo do intérprete. Observador/condutor do tempo-espaço, brincando como menino na fronteira do tempo-espaço real e o tempo-espaço ficcional. Divertido. Despojado. Na simplicidade característica de todo Mestre, João abre o processo de aprendizagem, abre questões aos aprendizes estimulando-os no exercício da reflexão estética, sempre estabelecendo uma relação horizontal, de igual para igual, de espírito criativo para espírito criativo com cada ser humano envolvido no trabalho.

O Trabalho

Da observação do andar do outro, tirar o pulso, batida, célula rítmica, e, a partir desta célula, criar um ‘caminhar’, um gestual, desenhar nas linhas do corpo esse ‘pulso’, esboçando um personagem, um corpo extra cotidiano. Pesquisar a interiorização desse ‘pulso’, a ponto de ser possível auscultar a célula no corpo do interprete, mesmo e inclusive quando este está imóvel. Trabalho bastante sofisticado, ferramenta bastante valioso que João nos traz com muita simplicidade e coloca o material ao alcance das mãos, ou melhor, do corpo. Condução de Mestre. Ir às camadas mais profundas como quem coloca os pés num lago, quente e calmo.

A Cena

Os Irmãos Dagobés. Conto de Guimarães Rosa. No velório do mais velho, dentre os quatro irmãos, toda a cidade se junta para velar o morto, tomar cachaça- queimada e falar muito, mas muito mal do falecido e maldizer os irmãos mais novos. A cena é contada a partir de fragmentos que o público vai tomando conhecimento ao ‘pé-de-ouvido’, cena silenciosa, pois estamos em um velório. Tínhamos como regra alguns códigos que acionavam uma espécie de gesto residual de cada personagem potencializado num susto, ora individual, ora coletivo.

Eduardo Bento
Cia. Teatro São Gonçalo

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Artigo 2

Olá a todos,

Quero, até mesmo para dar continuidade ao pensamento, abrir nosso MovimentoTeatroSantoAndré, assim tudo junto mesmo. Esse movimento pretende articular a demanda cultural que o próprio município gera, através de suas escolas de arte, tendo a frente a Escola Livre de Teatro de Santo André – ELT – e na cauda desse cometa a Escola Livre de Dança, Escola Livre de Cinema. Lembrando que esse movimento NÃO é das escolas e sim dos aprendizes que por elas passaram bem como outros artistas de escolas diferentes. A palavra LIVRE é articulada nesse contexto dentro de alguns parâmetros. Vou falar do processo dentro da Escola Livre de Teatro, processo do qual participei como aprendiz no Núcleo Formação do Ator com três anos de duração mais um ano de temporada (no caso de nossa turma Formação VI).

A palavra LIVRE, aqui na ELT , significa dentre outras coisas que:
. a escola não segue a grade curricular do MEC;
. aqui a pedagogia teatral se dá a partir da demanda de cada turma;
. aqui não há professores de teatro, mas artistas (atores, dramaturgos, diretores, preparadores corporais) que trazem na proposta pedagógica sua própria pesquisa estética, estabelecendo diálogo artístico entre mestre e aprendiz;
. aqui a aposta é em processos de pesquisa continuada, em teatro de grupo, coletivos artísticos, atores pesquisadores das artes cênicas.


A ELT, que existe há 16 anos é fruto da demanda do próprio município de Santo André. A classe teatral naquele momento, início dos anos 90, carecia de formação, de referencial, e precisava solucionar essa questão. Os artistas, com o apoio total de Celso Daniel (que Deus o tenha!) e o amparo de Celso Frateschi, Maria Thaís, Cacá Carvalho, Tichê Viana, Luis Alberto de Abreu, dentre outros, criaram a Escola Livre de Teatro. De lá pra cá, a ELT passou por altos e baixos, mas continua ai, linda e forte, e assim ela irá por séculos. Oxalá.

Passados esses 15 ou 16 anos, a demanda que a própria ELT gerou dentro do município é: hoje temos grupos e artistas gerados dentro do município, impossibilitados de darem continuidade em seus trabalhos, pois não temos nada sólido dentro de uma proposta de política cultural. Pensamos política cultural como estratégia de ação social. Grupos trabalhando suas pesquisas e suas propostas, com oficinas abertas à comunidade, e através dessas oficinas abrir o processo de criação artística, apoio na ocupação de espaços sociais,digamos, em processo de degradação e muitas outras ações que a partir dessas sugiram. Para isso é necessário além de investimento, VONTADE POLÍTICA. Vontade política de quem? Ora bolas, nossa, da classe artística. Se nós não fizermos Política, alguém fará por nós. Lembrando que cultura é dever do Estado e direito do Cidadão. Eugênio Barba em sua Antropologia Teatral nos aponta o teatro comercial (muito bem amparado pelo Estado através de leis de incentivo, aqui no Brasil, caso por exemplo do Circo de Soléi, ALEGRIAAAA, LÁ,LÁ, LÁ, LÁ, LÁ, LÁ, ALEGRIA) e quanta tristeza pra essa terra colonizada; depois temos o teatro mais acadêmico (também amparado por leis, muito bem articulado nas esferas de poder, com território muito bem demarcado por meia dúzia de pessoas fechados num NÚCLEO RÍGIDO) pena, pois perdem o vínculo com o mundo a sua volta, ou melhor, nem chegam a estabelecê-lo, ou alguém tem notícia na história acadêmica no Brasil, se em algum momento as instituições estiveram realmente voltadas para o bem comum do país?; e o Terceiro Teatro, o teatro feito na periferia do sistema cultural, sem amparo e/ou apelo comercial, muito menos acadêmico, mas que nem por isso, é um teatro sem pesquisa, sem qualidade, pelo contrário, por ser um teatro feito a partir do desejo, é pulsante, altamente criativo, comprometido e provocador. É desse terceiro Teatro do qual eu faço parte, portanto meu ponto de vista é a partir dele. Nasci as 9h da manhã do dia 16 de dezembro de 1968. Uma segunda-feira, primeiro dia útil depois do AI5, e hoje vivo sob a democracia burguesa.


Aí essa terra ainda vai cumprir seu ideal...

O MovimentoTeatroSantoAndré visa a articulação desse Terceiro Teatro e contamos também com a Comissão Municipal de Cultura, organização da sociedade civil, composta pela classe teatral,sem vínculo partidário mas compromissada politicamente e amorosamente na feitura de uma Política Cultural abrangente, coerente, que traga em seu bojo a contra-partida social, atenda dignamente a demanda artística, e que fomente a riqueza do bem imaterial, da reflexão livre, da construção do imaginário do homem do nosso tempo-espaço. Quem sabe assim, daqui mais alguns anos, não teremos em Santo André uma plataforma sólida de pesquisa artística, uma usina de criação autônoma, gerando trabalho, abrindo caminhos e possibilidades que só a Arte aliada ao Tempo poderá nos dizer. E assim também pode ser em Limeira, Amparo, Cotia, Sertãozinho, Xique-Xique...mas é preciso mobilização e Vontade Política. E é possível. É urgente!

Merda.

Eduardo Bento

Cia. Teatro São Gonçalo