sábado, 4 de setembro de 2010

TaanTeatro, Nô e Candomblé

Durante nossa conversa sobre rito de passagem foi possível fazer muitos paralelos com o Teatro Nô. A própria estrutura do rito dividida em três partes equivale ao movimento Jô – Hai – Kil contidos em todas as partes na dramaturgia Nô. Jô: situação inicial, primeira. Hai: elemento modificador. Kil: mudança de estado, transformação da situação inicial. Essa estrutura Tb permeia o rito de passagem do herói e dos xamãs. No caso do herói, o menino cresce (Jô), lança-se ao mundo (Hai), e transforma-se em outro(Kil). No caso dos xamãs o processo é um pouco diferente. Pessoas que passavam por uma situação limite entre vida e morte, como por exemplo: picadas de cobra, doenças, estados comatosos e resistiam a tal processo, ao retornarem eram tidos como especiais, curandeiros, e mereciam assim a mudança de estatuto dentro do coletivo. Vale ressaltar que ambos os casos – herói e xamã – o lugar e momento do rito eram decididos pelos deuses, podiam acontecer a qualquer momento, independente da vontade do candidato ou do coletivo. Trazendo um pouco pro lado do Nô que se divide em 5 temas, a saber: Nô feminino; guerreiro, loucura, de deuses e de demônios. Os shitês (protagonistas) estão sempre em momento limite, entre um mundo e outro, entre a loucura e a lucidez, na passagem entre vida e morte e são considerados entidades. O Nô é um teatro bastante ritualizado e que encaminha essas entidades, traz a redenção, a iluminação, a memória que faltava ao espírito naquele momento, para que ele possa seguir jornada. E para isso conta com a ajuda do uaki (monge orientador) e com a ajuda do coro que também tem a função de sonorizar a cena. Aqui a música existe apenas para valorizar o silêncio. O silêncio. O vazio. O nada. O Ma. Difícil explicar o Ma, conceito que na cultura/arte japonesa é quando o artista faz com que vejamos o invisível, ouçamos o não dito, quando criamos um instante de vazio gravido entre os corpos, uma espécie de tensão sutil e prenhe de muitos significados. Isso está contido na dança, no teatro, na arquitetura, artes-plásticas, na música etc. Do Ma desagüei na Erótica da Tensão, ou seja, permanecer na transição, potencializar a passagem, o momento, o instante. Penso que todos esses pontos têm paralelos com nosso coletivo/ritual/mitológico pessoal e são pontos de apoio que busco para criar conexões durante nosso percurso/processo/aventura criativa. Mas e o candomblé, o que tem haver com isso? Assim como no Nô onde o shitê (protagonista) recebe em seu corpo a entidade de cada história e para isso alguns recursos teatrais são utilizados, tais como máscara, figurino, tambores, representação de um pinheiro no fundo do espaço cênico, a dança, também no Candomblé a entidade ao se presentificar utilizasse de máscara (muscular e fixa), figurinos, tambores, dança e muitos outros elementos como luz, música etc. Todos esses elementos estavam presente em nosso processo NuTaan 2010 e se fizeram concretos nos ritos individuais bem como no RIT.U. Mas, temos aqui, uma pequena diferença: se no Teatro Nô e no Candomblé as entidades são conhecidas para o ator/cavalo que a estuda com antecedência, nos ritos propostos por nós, onde cada performer propôs e protagonizou sua transformação, a entidade revelada aqui ainda é desconhecida. Ao mesmo tempo em que nos transformamos e/ou anexamos outros valores em nós, conscientes dessa escolha, nos deparamos também com o desconhecido em nós e que por outro lado sempre esteve lá, dentro de cada um guardado, escondido, sufocado etc, mas sempre presente e nunca tocado. Esse me parece um ponto fundamental na aventura artística NuTaan 2010, pois ao mesmo tempo em que o processo proporciona a criação artística, o treinamento, a repetição e todos os elementos que compõem a construção cênica por outro lado faz, fez e fará com que cada performer possa lidar durante o labor artístico com o aterramento de sua própria entidade.

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